O mito do progresso
Ter um GPS de última geração não te impede de estar completamente perdido
Eles nos venderam uma ideia, uma história bonitinha chamada “progresso”. É a maior e mais bem-sucedida campanha de marketing de todos os tempos. A de que a linha do tempo é uma subida constante, de que hoje somos inevitavelmente melhores que ontem, e de que o amanhã será, por obrigação, superior a hoje. Eles nos mostram os prédios cada vez mais altos, os carros mais rápidos e tecnológicos, as inteligências artificiais cada vez mais inteligentes, e nos mandam aplaudir o espetáculo da nossa evolução.
Mas isso é um mito. Uma ilusão de ótica para nos manter ocupados enquanto eles esvaziam nossos bolsos e sugam nossa vida. Só precisamos usar melhor nossos olhos para enxergar. Parar um pouco e observar com calma. Olhemos para a rua, para o nosso trabalho, para o rosto das pessoas no ônibus às cinco e meia da manhã. O progresso é uma promessa anunciada e usufruída nos condomínios fechados de alto padrão, por quem o criou e por quem dá continuidade a essa cantilena, mas a vida real continua sendo tocada em outro tom. A vida real ainda é penar para pagar o aluguel ou o financiamento, viver com medo de doenças, sentir a solidão que nenhuma rede social consegue resolver.
E dessa grande mentira nasce a soberba, que é a doença do homem de todos os tempos. Ele se acha no auge da história da humanidade porque tem um celular no bolso que responde a qualquer pergunta. Ele lê sobre nossos antepassados e os julga tolos ignorantes, sem perceber que ele mesmo é apenas um tolo com berimbelos mais chiques. É a mesma casa caindo aos pedaços, com os mesmos problemas de estrutura, mas com uma ou duas demãos de tinta fresca para impressionar as visitas.
Nós acreditamos nessa superioridade porque somos bombardeados dia e noite por essa propaganda. Compramos produtos e, com eles, a ideia de que nós, como consumidores desses produtos, somos parte de algo melhor, de uma elite. É uma massagem no ego coletivo, uma maneira de nos fazer esquecer que, por baixo da roupa chique e do perfume de marca, a carcaça é a mesma de sempre: frágil, assustada e fadada ao mesmo fim.
O cerne da questão é este: a tecnologia avança, mas o ser humano nem sempre. A natureza humana é uma constante teimosa. Inventamos a escrita, a roda, a bomba atômica e a internet, mas o homem ainda é movido pelas mesmas forças primitivas: ganância, inveja, medo e a busca desesperada por algum sentido antes de dar tchau a esta vida. Atribuímos a nós mesmos poderes de deuses, mas continuamos com os caprichos de uma criança mimada.
É por isso que o avanço tecnológico, por si só, não significa nada. Na verdade, ele frequentemente se torna apenas uma amplificação dos nossos vícios. Construímos foguetes que dão “marcha ré”, com a intenção de explorar e habitar outros planetas, mas usamos a mesma tecnologia para criar mísseis e armas militares que aniquilam vidas como se não fossem nada. Desenvolvemos redes mundiais de comunicação, entupimos a órbita da Terra com satélites, fornecemos internet para as regiões mais remotas do planeta, e usamos isso para cultivar a solidão e a estupidez, para nos esconder atrás de perfis falsos e brigar com estranhos sobre banalidades. Nossas invenções, dessa forma, funcionam como analgésicos, bem potentes por sinal, para a mesma dor de sempre.
E o dito “follow the money” (“siga o rastro do dinheiro”) nunca esteve tão certo e atual. Como sempre, no coração desta máquina de ilusões, há um motor econômico perverso, a engrenagem da história que nunca para de girar, que tem um apelido técnico e limpo: obsolescência programada. É um nome bonito para uma safadeza simples. As coisas que você compra (o telefone, o carro, a geladeira...), já são programadas com uma data para pifar. Elas são feitas para quebrar e fazer você comprar outra “melhor”.
Essa engrenagem cria a armadilha perfeita: ela te força a trabalhar em empregos que você odeia para ganhar um dinheiro insuficiente, que você gasta em produtos que não foram feitos para durar e que, muitas vezes, você nem precisa ter. É um ciclo vicioso, uma coleira que te mantém preso à roda, correndo sem sair do lugar, sempre cansado, sempre “precisando” de mais. Portanto, eles não nos vendem apenas o produto, eles vendem a nossa dependência contínua a ele.
O passo seguinte, e o mais cruel de todos, foi quando essa lógica se expandiu dos objetos para as pessoas. O mundo moderno nos trata como um produto com prazo de validade. Nosso emprego é temporário, nossas habilidades se tornam obsoletas, nossas amizades são convenientes até deixarem de ser. Os relacionamentos se tornaram tão descartáveis como qualquer outro produto. Use, gaste, veja quebrar, termine de amassar e jogue fora. Não quer ser tratado feito um bichinho de estimação? Não tem problema, tem outro que aceita. A fila anda.
No fim das contas, o sistema não quer apenas que compremos lixo. Ele quer que nos tornemos o próprio lixo. Ele nos ensina a aceitar nossa nova condição de descartável. A não questionar, a não criar raízes, a não construir nada que dure. Apenas consumir, ser consumido e, por fim, ser substituído pela próxima versão, pelo modelo mais recente que atende melhor aos caprichos do consumidor.
Então, quando você olhar ao redor e sentir um desconforto confuso, uma sensação de que algo está fundamentalmente errado, lembre-se disso: não é você que está louco, o mundo é que virou essa farsa muito bem construída.
Excelente texto! Parabéns 🤠👍🏻
Obrigado pelo texto. É uma coisa que eu penso faz tempo, mas nunca consegui traduzir em texto.